IPI Verde acelera a mobilidade. O seguro está no mesmo ritmo?

EXCLUSIVO – Em vigor desde 10 de julho, o novo programa de redução do IPI — apelidado de IPI Verde — promete transformar a dinâmica do mercado automotivo nacional. A iniciativa, que faz parte do programa Mover (Mobilidade Verde e Inovação), zera o imposto para veículos compactos com menor emissão de poluentes e alto índice de reciclabilidade, produzidos em território nacional. Com isso, o governo busca estimular a indústria a ser mais sustentável, promover a descarbonização e tornar os veículos mais acessíveis à população sem ampliar a carga fiscal.

A medida já credenciou modelos populares como Fiat Mobi, Renault Kwid, Volkswagen Nivus e Chevrolet Onix para benefícios fiscais, com montadoras anunciando reduções de até 13% no preço final. A expectativa é de que o impacto se espalhe rapidamente por toda a cadeia automotiva — e o mercado de seguros também começa a se movimentar.

Para entender os efeitos da medida sobre os seguros automotivos, a Marcelo Biasoli, CEO da insurtech 123Seguro. O executivo vê o IPI Verde como um marco para a popularização do seguro, com potencial para acelerar a digitalização e a personalização das apólices.

Para se enquadrar nas regras do novo benefício, os veículos precisam atender a uma série de critérios técnicos. Entre eles, estão a emissão máxima de 83g/km de CO₂, uso de pelo menos 80% de materiais recicláveis, produção nacional e classificação como modelo compacto.

Para o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), o objetivo do programa é fomentar a inovação tecnológica e a sustentabilidade, incentivando fabricantes a adotar práticas mais limpas e eficientes. A expectativa do governo é que, até o fim de 2025, mais de 60% da nova frota brasileira já esteja contemplada pelas novas regras.

A isenção do IPI funciona como um incentivo direto: veículos que se enquadram nos requisitos têm o imposto zerado, o que permite uma redução considerável no preço final. Montadoras como Fiat, Hyundai e GM já anunciaram cortes entre 3% e 13% em seus modelos de entrada.

Vale pontuar também que o tema ‘urgência climática’ é um dos motores por trás da formulação do programa. A política fiscal adotada pelo governo reflete uma tentativa de resposta às crises ambientais agravadas pelo aquecimento global — diretamente ligado à alta emissão de gases de efeito estufa. O setor automotivo, por seu impacto direto na matriz de emissões urbanas, tem papel estratégico na transição para uma economia de baixo carbono. A adoção de práticas mais sustentáveis na produção e consumo de veículos, como prevê o IPI Verde, também é um reflexo das crescentes pressões internacionais por metas ambientais mais ambiciosas e maior responsabilidade ESG por parte das empresas e governos.

Nova demanda e os efeitos no seguro auto

O mercado automotivo vinha se recuperando após os impactos da pandemia, e o programa surge como um impulso adicional. Em 2024, o Brasil registrou mais de 2,6 milhões de emplacamentos, o maior volume desde 2014. Com carros mais baratos e acessíveis, a expectativa é de que aumente também a demanda por seguros, especialmente entre consumidores que antes não contratavam esse tipo de proteção.

Na visão de Biasoli, esse movimento pode transformar o perfil de segurados no país. “Com o incentivo, muitos compradores de veículos populares devem buscar proteção desde o primeiro dia. E sabemos que ainda batemos na mesma tecla da velha história de que apenas 30% da frota era segurada — ao meu ver, esse cenário vai mudar”, avalia.

Ao contrário do que se poderia imaginar, a redução no valor do carro não implica, necessariamente, em seguros mais baratos. Isso porque o preço da apólice depende de muitos outros fatores. “Populares podem ter pior perfil de risco, mas a visibilidade digital melhora a precificação. Quanto mais dados temos, mais justo fica o preço”, explica Biasoli.

Entre os fatores que influenciam a cotação estão o perfil do motorista, a localização (CEP), o uso do veículo e o histórico de direção. A digitalização da jornada de contratação tem permitido integrar todos esses elementos em tempo real, gerando cotações personalizadas em poucos minutos. “Com a digitalização, a contratação se tornou mais acessível, rápida e adaptada ao perfil de uso. A inteligência de dados permite um ajuste fino que beneficia tanto o consumidor quanto a seguradora”, diz.

Biasoli acredita que o seguro auto vive um processo de transformação acelerada, em que deixará de ser um produto isolado para se tornar parte de um ecossistema financeiro mais amplo. “O seguro deixou de ser custo e virou instrumento financeiro. Com uso recorrente, os dados viabilizam subprodutos como fintechs integradas”, afirma.

Um dos avanços mais relevantes tem sido a adoção de modelos preditivos baseados em inteligência artificial. Com o aumento na venda de veículos compactos e sustentáveis, como previsto com o IPI Verde, os algoritmos precisam ser recalibrados para considerar novos padrões de risco. Ou seja, a chave é adaptar modelos em tempo real. “Com o IPI Verde, cresce o volume de compactos; o algoritmo tem que recalibrar preço e risco com velocidade.”

Esse movimento abre espaço também para o desenvolvimento de apólices modulares e por uso, como os seguros “pay-per-use” (modelo de venda utilizado pela companhia). Veículos sustentáveis, muitas vezes equipados com sensores e telemetria, permitem a personalização de coberturas por uso, perfil ou ambiente. “Isso abre brecha para apólices flexíveis e até coberturas ESG e climáticas”, projeta o executivo.

A 123Seguro atua como distribuidora digital de seguros e tem investido em inteligência de dados para refinar a oferta de apólices sob demanda. A empresa vê no IPI Verde uma oportunidade para ampliar a base de segurados e explorar produtos inovadores. No entanto, a estratégia não é focada em protagonismo, mas em acompanhar os movimentos do mercado com agilidade. “A digitalização é um meio para entregar mais valor ao cliente. A evolução agora está em integrar licenciamento, socorro e controle via app. Ainda há desafios regulatórios, mas o caminho é esse”, diz Biasoli.

Hoje, a empresa já oferece seguros que consideram não apenas o modelo do carro e o perfil do condutor, mas também dados de condução em tempo real, histórico de manutenção e até hábitos de mobilidade urbana.

Tendências e projeções

A transformação impulsionada pelo IPI Verde vai além do incentivo fiscal. Segundo estudo da BCG, até 2040, cerca de 90% da frota global será híbrida ou elétrica — o que exige uma nova abordagem dos seguros auto. Além disso, o relatório SONAR 2025, da Swiss Re, alerta para o aumento dos eventos climáticos extremos, ampliando a importância de proteções patrimoniais e ESG adaptadas à nova realidade.

No Brasil, a democratização da mobilidade sustentável poderá, nos próximos anos, elevar o padrão mínimo esperado de cobertura. Com veículos mais tecnológicos, conectados e sustentáveis, cresce também a exigência por seguros inteligentes e mais integrados. “O consumidor que compra um carro com baixo impacto ambiental quer, cada vez mais, um seguro que fale a mesma linguagem: digital, personalizável, com cobertura relevante para os riscos atuais — e, claro, com preço que corresponda”, resume Biasoli.

O projeto como um todo mostra uma inflexão na mobilidade urbana brasileira, ao mesmo tempo em que pressiona o mercado de seguros a se adaptar. A mudança é estrutural: não basta apenas vender mais seguros, é preciso oferecer seguros melhores — e mais coerentes com o mundo em que esses carros vão circular.

Nicholas Godoy, de São Paulo

The post IPI Verde acelera a mobilidade. O seguro está no mesmo ritmo? appeared first on Revista Apólice.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima