EXCLUSIVO – Não são tempos fáceis no mundo e no Brasil. As oscilações políticas e instabilidade econômica em escala global são latentes e indisfarçáveis. O mercado de seguros não fugiria à regra, mas, como apontam inúmeros resultados, dos mercados mais maduros aos ainda em aprimoramento, como o daqui, a resposta do setor é uma das mais consistentes de que se tem notícia. Porém, em nosso particular caso, a estrada é longa até verdadeiramente nos afirmarmos como um mercado maduro. Esse questionamento é feito sem intermitências por líderes do setor, empresas (tanto as tradicionais quanto as novíssimas insurtechs), órgãos reguladores e corretores, estes, sem dúvida, o principal canal do setor, o imprescindível e humano ponto de fala com a sociedade. Incutir neste profissional a consciência dessa relevância é um dos principais desafios latentes na indústria securitária brasileira. Mas existem outros obstáculos que dificultam uma evolução ainda mais acelerada do mercado interno do seguro. Mostra-se, portanto, determinante que corretores e seguradores falem, sempre e irrevogavelmente, o mesmo idioma.
Corretor de Rondonópolis (MT), Sergio Appoloni, destaca dois pontos da jornada do seguro que precisam ser avaliados com mais exatidão tanto por seguradores quanto por corretores: melhor precificação das apólices, de um modo geral, e melhor aceitação de riscos por parte das seguradoras. Appoloni também alerta para os riscos da priorização da digitalização, hoje tida como a panaceia da indústria. Ele observa ainda a necessidade de que sejam compreendidas com exatidão demandas regionais, que nem sempre condizem com aquelas de conotação generalista. “As seguradoras precisam melhorar o atendimento humanizado pois o atendimento automatizado tem trazido muitos problemas e demora nos retornos, dificultando os processos”, verbaliza o corretor mato-grossense. “As seguradoras precisam entender melhor as demandas dos corretores por regiões e estreitar os relacionamentos comerciais”, sinaliza o corretor.
O Brasil é um país de dimensão continental e de diversidade cultural “absurdamente relevante” entre suas regiões, como aponta Paollo Gattass, outro corretor mato-grossense , de Cáceres. “Quando se tem essa diversidade cultural muito aflorada, atrelada a uma diferença exorbitante de desenvolvimento socioeconômico de uma região para outra, acredito que se torna difícil pensar em uma única forma de ver o mercado de seguros, capaz de suprir as necessidades específicas regionalizadas”, diz Gattass, acrescentando: “Sabemos, por exemplo, que é impossível não ter no virtual a melhor forma de se conectar com seus clientes em 90% dos casos em determinadas regiões, de igual modo, sabemos que essa penetração não chega a 30% em outras. Acredito que a solução é tratar cada realidade regional brasileira em sua real perspectiva e diversificar as soluções com base em cada microrregião específica e suas necessidades.”
A difusão da cultura do seguro está na ordem do dia. Mas ainda esbarra na dificuldade de se encontrar estratégias com foco definido, particularizado em regiões específicas, cada uma com suas demandas próprias e necessidades pontuais. No entanto, como avalia o corretor Ernesto Vasconcelos, de Manaus (AM), a busca por essa disseminação cultural pode ser infrutífera se não houver confiança entre as partes, ou seja, entre seguradores e corretores. Ele também assinala que, além de uma redução da burocracia ainda presente no setor, os preços das apólices permanecem fora do alcance da maior parte da população. “Quando é preciso receber uma indenização, a relação de documentos é muito extensa e quando eles dependem da emissão do governo, fica ainda mais difícil. O brasileiro e o empresário em geral ainda veem o seguro muito caro e sem importância para seu negócio”, reflete.
O corretor Alexandre Faria, de Minas Gerais, aponta outros problemas. O primeiro deles — afirma ele — é a carência de qualificação dos profissionais, tanto de corretoras quanto de seguradoras. Outro fator preponderante, pontua Faria, é a ausência de flexibilidade na criação de produtos que se ajustem às necessidades dos clientes. “De fato, com a rápida evolução da sociedade e com o advento de novas tecnologias, as dores dos consumidores passam a ser outras e temos visto uma dificuldade do mercado na confecção de soluções tailor made (sob medida), ficando preso a produtos de prateleira. Por fim, um grande problema que é enfrentado hoje é a aceitação restrita para colocação de determinados riscos”, pondera o corretor mineiro.
Do lado das seguradoras emana o discurso, em uníssono e como mantra, de que a evolução do seguro no país passa, inexoravelmente, por essa difusão cultural da indústria securitária. Reconheça-se: não há outro caminho a ser seguido. Mas outros pontos precisam ser considerados, como aponta a gerente executiva do Canal Fiança Locatícia da Too Seguros, Priscila Mc Kenzie, para quem, além do investimento na educação sobre seguros, existem outros dois aspectos que não podem ser ignorados.
“Nosso país não tem uma cultura muito forte na adesão de seguros que não seja o de carro. A maioria espera acontecer algum imprevisto para entender o valor de um seguro. Não temos uma forte educação financeira, não falamos sobre previsão orçamentária, que pode ajudar muito na proteção de bens, vida e do dinheiro das pessoas. O seguro é um gasto e não um investimento, e precisamos mudar essa visão para enxergar todos os benefícios que é ter a tranquilidade de poder receber indenização se algum imprevisto acontecer, ou deixar a família com um fôlego financeiro se o segurado partir, ou ter uma casa protegida de avarias e não precisar se preocupar caso o inquilino não pague o aluguel”, define Priscila.
O segundo ponto, descreve a executiva, concentra-se na dificuldade econômica de um país que possui grande parte da população com baixa renda, sem acesso a opções de seguros que caibam no seu orçamento. “É por isso que insurtechs e microsseguros têm um papel importante para a disseminação do seguro. É preciso oferecer opções que caibam no bolso do cliente, seja com pacotes que vão desde as coberturas mais fundamentais de se ter até com serviços extras que o corretor ou cliente possam escolher”, pondera a executiva da Too Seguros.
O terceiro ponto frisado por ela é a resistência de muitos corretores em aderirem à tecnologia e reconhecerem as mudanças que ela provoca no mercado. “Acreditamos que o corretor é um grande influenciador e decisor na proposta de compra de um seguro e, aliado à tecnologia para gestão da carteira, marketing digital, coleta de dados para personalização de uma proposta e tudo o que compreende esses recursos para o crescimento do papel do corretor, faz com que ele se torne o personagem principal do setor. Sabemos que o corretor é o profissional que mais sabe sobre seguros e o que mais sabe oferecer a melhor solução para o cliente dele”, reconhece Priscila.
Presidente do Sindicato dos Corretores de Seguros de São Paulo (Sincor-SP), Boris Ber tem uma visão otimista em relação ao estágio de evolução do mercado, embora admitindo terem surgido alguns problemas nos últimos anos, dentre os quais situações apresentadas pelo órgão regulador que, como entende Ber, teriam atrasado o desenvolvimento das companhias e dos corretores de seguros.
“Nossa profissão chegou a ser ameaçada a deixar de existir, também tivemos os desafios da pandemia, mas enfrentamos e vencemos cada obstáculo. O seguro de vida mostrou sua importância, as companhias demonstraram parceria junto ao corretor, cujo pós-venda na pandemia foi espetacular, e alertou sobre a necessidade de um bom seguro de vida e de planos de saúde e odontológico. O seguro funeral também teve grande importância para pessoas de baixa renda, com assistência nessa pandemia. É claro que ainda temos uma enorme parte da população que não consome seguros. Essa nova fase da Susep (Superintendência de Seguros Privados) deve trazer produtos que caibam no bolso das pessoas que não conseguem acessar, que preferem, às vezes, inadvertidamente, procurar uma associação de proteção veicular, que não é seguro, e acabam se envolvendo com uma empresa da qual são responsáveis pela sua insolvência. Tudo isso é uma questão de focar”, analisa o presidente do Sincor-SP.
O mercado ainda é subpenetrado, como reconhece o diretor de organização de vendas do Grupo Bradesco Seguros, Leonardo Freitas, e isso — enfatiza o executivo — por conta da consciência da população em torno da proteção. “Mas enxergamos um imenso potencial nesse ramo de atividade”, conclui Freitas.
O executivo da Bradesco Seguros ressalta que o setor demonstrou resiliência no período de crise, fortalecendo-se ainda mais, e que a importância da proteção vem sendo cada vez mais percebida pelas pessoas. “Agora, o que temos que fazer é contribuir para transformar esse grande potencial em realidade, estimulando a cultura do seguro no país. Sendo assim, acredito que o nosso principal desafio é ampliar a conscientização. O seguro pode ser visto como um item importante para a população por sua relevância e suporte diante dos imprevisto. Há uma imensa variedade de produtos disponíveis no mercado ainda não conhecida pela população, que muitas vezes tende a acreditar que o mercado se resume a dois ou três tipos de proteção, sendo que há soluções de proteção para diversos aspectos da vida”, alerta Freitas, sugerindo que todos os envolvidos neste ecossistema trabalhem fortemente na conscientização da importância que o seguro oferece para cada indivíduo e suas famílias. “Apenas dessa maneira podemos propagar essa cultura”, endossa.
Lado a lado
Tecnologias imersas na gigantesca onda de digitalização no setor, como inteligência artificial e compartilhamento de dados, forçam o corretor de seguros a se reinventar para que permaneça relevante no mercado. Como trabalhar em conjunto com as seguradoras para vencer este e outros obstáculos posicionados no destino da categoria? Para Boris Ber, as seguradoras — “em sua enorme maioria”, enfatiza ele — entendem que a força da distribuição é do corretor de seguros. “A venda direta já provou que não funciona, a venda digital sem a participação do humano não funciona e a assistência sem o corretor não funciona. Logo, acho que existe a cumplicidade. Precisamos apenas ajustar o tom da canção. Temos que olhar aquilo que o consumidor precisa e como chegar neste consumidor da forma mais rápida, clara e acessível possível”, resume.
Priscila Mc Kenzie não tem dúvida de que o trabalho entre seguradores e corretores deve ser sempre em conjunto. A executiva lembra que são as seguradoras responsáveis por oferecer toda uma infraestrutura e um leque de produtos para que o corretor possa trabalhar sua carteira de clientes e oferecer sempre a solução que melhor se encaixe naquela situação. Por outro lado, acrescenta ela, a seguradora deve também acreditar no papel do corretor de seguros para que ele seja o porta-voz e defensor da marca. “Ele é o consultor do cliente e o que sabe indicar quais produtos, coberturas e garantias atendem melhor o cliente, dentro da realidade dele. Ao mesmo tempo, a seguradora oferece uma jornada de contratação excelente. O corretor sabe que terá um grande suporte e atendimento exclusivo para trabalhar e vender bons produtos e assim rentabilizar as suas operações”, expressa a executiva da Too Seguros.
Diálogo sempre bem-vindo
O fato é que em meio aos desafios citados nesta reportagem, corretores e seguradores precisam conversar mais do que já conversam. Diretor comercial nacional de varejo da Tokio Marine, João Luiz de Lima reforça que o segmento segurador mantém um “bom relacionamento” e “diálogo aberto” com os corretores, seja por meio de canais de comunicação, eventos do setor ou treinamentos.
Segundo o executivo, apesar de o mercado ter se adaptado ao formato de eventos e reuniões online durante a pandemia, o retorno aos eventos presenciais, como os congressos de corretores que acontecem pelo país, vem aproximando ainda mais os corretores das seguradoras. “Outra iniciativa do mercado que podemos citar é o Voz do Empreendedor, realizado pelo Sincor-SP, que reúne corretores e as seguradoras com a finalidade de apresentar novidades, produtos entre outros temas de interesse do mercado”, lembra Lima, complementando: “Na Tokio Marine, temos um compromisso com a satisfação dos três cês: colaboradores, corretores e clientes. Para nós, é fundamental manter o diálogo com esses públicos para absorver sugestões, críticas e elogios que colaborem para as melhorias nos processos internos”, especifica o diretor da Tokio Marine.
“Conversa e vontade não faltam. O que precisamos é de liberdade e tempo para podermos trabalhar”, sustenta Boris Ber. “As seguradoras estavam atribuladas com essas resoluções da Susep, encontrando pouco tempo para ajustar. Temos que separar as questões operacionais, técnicas e de planejamento futuro. Isso, claro, estabelecendo mesas, como nós temos a comissão intersindical, onde levamos os problemas e soluções, ajudando companhias e corretores”, emenda o presidente do Sincor-SP.
André Felipe de Lima
Revista Apólice
* Matéria publicada na edição 281 da Revista Apólice
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