IA pode transforma setor de assistências no atendimento ao cliente

EXCLUSIVO – O uso estratégico da inteligência artificial começa a marcar uma nova fase no setor de assistências e serviços especializados no Brasil. Com o avanço das tecnologias de machine learning, modelos de linguagem natural e ferramentas generativas, empresas do segmento estão reformulando suas operações para reduzir tempos de atendimento, mitigar erros e oferecer uma experiência mais fluida e personalizada aos clientes.

A transformação ainda é recente, mas os primeiros resultados operacionais indicam que se trata de uma mudança estrutural — não apenas de tecnologia, mas de modelo de atendimento e gestão operacional.

Um exemplo prático dessa mudança vem da Tempo Assist, que desde 2024 desenvolve uma frente estruturada de projetos de IA em parceria com áreas de negócio e tecnologia. Embora a companhia não seja a única a investir nesse caminho, seu conjunto de iniciativas traz elementos concretos para analisar como a inovação pode sair do discurso e gerar impacto real.

IA como resposta à complexidade do setor

O setor de assistências é caracterizado por operações de alta complexidade, múltiplos níveis de atendimento e uma capilaridade que envolve milhares de prestadores em todo o país. Neste cenário, a inteligência artificial surge como uma aliada natural para lidar com a imprevisibilidade das ocorrências e a necessidade de respostas rápidas — sem abrir mão da qualidade e da empatia no contato com o consumidor.

“A IA não é uma solução mágica, mas ela permite que a empresa tome decisões melhores e mais rápidas. A diferença está em como ela é aplicada e se gera impacto real”, explica Wilian Domingues, CIO da Tempo Assist. Para ele, o uso da tecnologia precisa estar associado a três pilares: dados qualificados, produtividade mensurável e ética no tratamento das informações.

Segundo Domingues, um dos principais erros das empresas ao implementar IA é cair na “armadilha do hype”, investindo em tecnologias sem planejamento, objetivos claros ou infraestrutura de dados adequada. “Cerca de 90% dos projetos de IA falham por falta de dados estruturados. Por isso, nosso primeiro passo foi garantir que tínhamos dados limpos, bem organizados e com governança”, afirma.

Na Tempo, todos os projetos passaram a ser avaliados com base em três critérios obrigatórios: gerar impacto positivo e mensurável na eficiência operacional; melhorar a qualidade percebida pelo cliente; e atender aos padrões éticos e regulatórios, especialmente no uso de dados sensíveis. “Se um projeto não atender a pelo menos dois desses critérios, ele não vai para frente. A gente não pode automatizar à custa da experiência do cliente”, reforça João Carlos Armesto, CEO da companhia.

Entre os projetos já em funcionamento está o Ícaro, um sistema baseado em IA generativa que analisa solicitações de prestadores em tempo real. Voltado para a rede de atendimento, ele interpreta os pedidos com base nas coberturas e condições contratuais, eliminando gargalos operacionais. O impacto: uma redução de até 80% no tempo de resposta, segundo dados da companhia.

“Esse ganho só foi possível porque deixamos de lado os fluxos engessados e passamos a operar com inteligência contextual. O Ícaro entende o que está sendo solicitado e responde com base no histórico e nas regras aplicáveis”, explica Domingues.

Outro projeto de destaque é o Octo, voltado para a área financeira. Com algoritmos de machine learning, o sistema identifica padrões de comportamento e anomalias em cobranças de prestadores — como distâncias incompatíveis ou valores acima do padrão. Lançado em fase de testes em abril de 2025, o Octo já evitou cerca de R$ 450 mil em custos indevidos, com um investimento inicial de apenas R$ 10 mil.

Já no atendimento ao consumidor final, a IA se materializa na assistente virtual Zoe, que simula um diálogo natural com o usuário, eliminando o tradicional — e muitas vezes frustrante — menu por etapas. “A Zoe interpreta o problema, ajusta as perguntas ao contexto e abre o chamado de forma automática. Cada atendimento é único, adaptado à situação real do cliente”, diz o executivo.

Um ponto que chama atenção na estratégia da empresa é a decisão de desenvolver uma Large Language Model (LLM) própria, em vez de utilizar ferramentas amplamente disponíveis no mercado, como o ChatGPT ou Gemini. Segundo Domingues, a motivação foi estratégica: garantir controle total sobre os dados da operação.

“Embora essas big techs aleguem não usar as informações, sabemos que a segurança nunca é 100%. Ter um modelo proprietário nos dá autonomia e evita exposição indesejada da nossa base de conhecimento”, afirma.

O desenvolvimento do LLM próprio exigiu cerca de quatro meses de treinamento, além de investimentos em infraestrutura e suporte de uma startup especializada. O projeto só foi aprovado após a área de planejamento financeiro comprovar que o retorno sobre o investimento seria alcançado com a redução no tempo de atendimento e aumento do volume de chamados processados por operador.

A adoção da inteligência artificial não se limita aos sistemas. Ela impacta diretamente o perfil dos profissionais e a cultura da organização. Com o avanço da automação, surge uma nova exigência: operadores e gestores precisam dominar conceitos básicos de IA, interagir com copilotos digitais e interpretar os dados produzidos.

“Estamos reavaliando o perfil das pessoas que atuam na operação. A função do atendente tradicional muda. Agora ele precisa ter leitura crítica, saber trabalhar com ferramentas e entender o que a IA sugere”, explica Domingues, que também responde pela operação da empresa desde janeiro.

A companhia passou a oferecer workshops internos sobre IA e engenharia de prompts, promovendo uma cultura de inovação aplicada a todos os níveis da organização. “A inovação só funciona se for incorporada por todos — e não ficar restrita à área de TI”, afirma.

O setor está pronto?

Ainda que os casos práticos sejam promissores, o mercado como um todo caminha em ritmos diferentes. Segundo os executivos, muitas empresas enfrentam dificuldades para sair do discurso e transformar suas operações com o apoio da inteligência artificial. Faltam dados bem estruturados, metas claras, investimentos em equipe e, principalmente, coragem para mudar processos antigos.

Além disso, o uso da IA traz novos dilemas regulatórios e éticos, como a transparência nas decisões automatizadas, o risco de vieses e o uso de dados sensíveis. “O Brasil tem avançado, mas ainda há um caminho grande em relação a compliance e proteção de dados. As empresas precisam se preparar para isso desde o início”, alerta Domingues.

O uso da inteligência artificial no setor de assistências já mostrou que veio para ficar. Seja para reduzir custos, agilizar operações ou melhorar o atendimento ao cliente, os ganhos são evidentes quando há estratégia, planejamento e propósito. “Não estamos falando de futuro. A IA já está moldando o presente das empresas que buscam eficiência e protagonismo”, afirma Armesto.

Mais do que adotar novas ferramentas, o desafio está em repensar a forma como o setor se organiza e se comunica. A tecnologia, por si só, não resolve. Mas quando aplicada com responsabilidade, visão e dados consistentes, pode de fato redefinir os padrões de serviço e estabelecer um novo patamar de qualidade para o mercado.

Nicholas Godoy, de São Paulo

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