As mudanças climáticas atuais decorrem de ações humanas e geram impactos diretos na natureza, como a desertificação de florestas, causando maior frequência de eventos extremos. Como a humanidade é parte da natureza, também há impactos sociais e econômicos nesse cenário. De acordo com relatório do Fórum Econômico Mundial, o aquecimento global pode causar uma perda de 4% da produção econômica mundial até 2050.
Considerando as políticas enfraquecidas para conter as alterações do clima, os países menos desenvolvidos serão os mais impactados. Estima-se perdas no PIB 3,6 vezes maiores do que as nações mais ricas. Caso não sejam controladas, as mudanças climáticas poderão levar ao prejuízo econômico de cerca de US$ 17 trilhões na América do Sul entre 2021 e 2070, além da perda de 18 milhões de empregos e de 12% do Produto Interno Bruto (PIB) da região, o equivalente a US$ 2 trilhões. É o que aponta o estudo global “The Turning Point: Um novo clima econômico na América do Sul”, realizado pela consultoria Deloitte, por meio de sua divisão Deloitte Economics Institute.
Essas perdas vêm de uma análise preditiva de um cenário em que nada é feito para conter os efeitos das mudanças climáticas. São custos com que as empresas terão que arcar, efeitos que governos e populações terão que enfrentar, caso não haja ação imediata para conter o risco desses impactos.
As mudanças climáticas já afetam setores mais dependentes de serviços ambientais, como a agricultura, que vem sofrendo consequências de secas e inundações. No Brasil, por exemplo, a estimativa é que a instabilidade climática tenha causado prejuízo de cerca de R$ 72 bilhões na safra da soja 2021/2022, que é a principal commodity produzida no país.
Além disso, o relatório da Deloitte aponta que os setores de serviços, manufatura, varejo e turismo podem sofrer as maiores perdas devido às mudanças climáticas. Até 2070, haveria redução do valor agregado bruto dos serviços na região em US$ 7,1 trilhões, redução da produção industrial em US$ 3,5 trilhões e prejuízo de US$ 2,3 trilhões nos segmentos de varejo e turismo.
O desafio agora é entendermos quais serão os próximos passos para nos tornarmos resilientes e aprendermos a lidar com os efeitos do clima para a proteção de ativos, ao mesmo tempo em que buscamos oportunidades que estimulam o crescimento e a inovação. Estive recentemente no RIMS (Risk and Insurance Management Society, Inc.), um dos maiores e mais abrangentes evento de gerenciamento de riscos do mundo, onde tive a oportunidade de trocar experiências com especialistas de países que são historicamente mais afetados por desastres naturais que o Brasil. E quero trazer aqui algumas questões que me chamaram atenção. Olhando para o que é feito fora do país, temos diversos exemplos de ferramentas que podem ser replicadas aqui.
Todas as organizações estão potencialmente expostas a impactos climáticos – mesmo aquelas com baixa ou nenhuma emissão de carbono. Por isso, a estruturação de um plano claro para enfrentar cenários de crise enquanto repensam suas fórmulas de receita e geração de valor deve estar na agenda das lideranças de negócios.
O primeiro passo para criar uma resiliência climática nas empresas é entender o seu impacto nos negócios, começando por avaliar suas consequências diretas em cada operação, e evoluindo ao ponto de testar a estratégia da empresa frente a diferentes possíveis cenários futuros. Tudo isso com a clareza de que os impactos climáticos não se resumem a efeitos físicos diretos.
Feita essa análise, os gestores conseguem escolher quais riscos vão mitigar internamente e quais serão transferidos. Quando falamos de transferência de riscos, nos referimos a contratação de uma apólice de seguro. Esse serviço pode desempenhar um papel fundamental na construção de empresas resilientes ao clima, uma vez que as seguradoras têm a expertise necessária para ajudar a compreender, prevenir e reduzir os riscos climáticos, por meio de dados estatísticos, análise de riscos, modelos de risco de catástrofe e medidas de prevenção a perdas. Como portadores de risco, as seguradoras protegem famílias, empresas e governos, absorvendo choques financeiros gerados por ameaças, como ciclones, inundações, calor extremo e secas.
Anualmente, no Brasil observa-se o aumento de casos de catástrofes causadas pela mudança climática e seus prejuízos, o que deve acender um alerta nas empresas quanto a importância da contratação de seguros que cubram especificamente esses danos. E para as seguradoras é o momento de se reinventar. Alguns produtos, como o seguro paramétrico, por exemplo, acionado em caso de variação de alguns parâmetros, como queda da produtividade ou redução da qualidade do produto devido a eventos climáticos, pode representar o futuro para o mercado.
Além do uso estratégico dos seguros, é importante saber que a mudança climática está estimulando uma transformação em direção a uma economia de baixo carbono, remodelando o ambiente operacional dos negócios, quebrando paradigmas e desafiando as empresas a repensarem as suas “fórmulas” de receita e geração de valor. Logo, a existência de um plano claro para navegar por esta transformação social e econômica disruptiva é imperativo.
Vale ressaltar que as análises de riscos climáticos podem desvendar oportunidades, fazendo com que as empresas criem novos fluxos de receita ao adicionar linhas de produtos resistentes às intempéries. Com uma estratégia bem estruturada, as empresas poderão ter uma estimativa completa de riscos e oportunidades climáticas e quantificar seus impactos, que podem variar de danos à imagem e reputação, desvalorização dos ativos (stranded assets), custos crescentes, escassez de recursos e matéria-prima, entre outros.
Ou seja: a natureza estratégica e de longo termo das mudanças climáticas exige que as empresas façam uso do planejamento de cenários. Ser capaz de, sistematicamente, identificar tendências e calcular riscos e oportunidades potenciais para construir cenários apropriados se tornou um recurso importante para derivar uma estratégia robusta de mudança climática.
Por fim, é necessário ampliar as formas com as quais as instituições têm avaliado, tradicionalmente, suas ações, expandindo o escopo e a escala das atividades em jogo. Isso significa passar de uma abordagem com foco primário na empresa para uma que envolva frentes múltiplas: além de olhar para a companhia, ter um olhar voltado para o coletivo, envolvendo o setor em um ecossistema mais amplo.
* Por Caio Carvalho, diretor de Riscos Empresariais do Grupo MDS
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